No tempo em que o "Inferno" era "Paraíso"
Nos anos 1970, vivi boa parte da minha infância num conjunto habitacional, no bairro do Cabula, aqui em "Atrasoterópolis" , mundialmente conhecida como Salvador. Conjunto bacana, ruas asfaltadas, água encanada, luz elétrica, rede telefônica, construções planejadas, todos os meus amigos alfabetizados, tudo na mais "santa harmonia".
Problemas fiananceiros forçaram a minha família a mudar de lá, em 1978. Foi então que fomos morar no bairro do Beiru, na época ( e ainda hoje ), muito marginalizado pela sociedade "atrasoteropolitana", taxado de "lugar de pobre", "favelado". Famílias de baixa renda, migravam para lá. O bairro, assim como outros, fazia parte do processo da explosão demográfica em que Salvador passava naquela época.
O local do bairro onde fomos morar, conhecido Arenoso, mais parecia um cidadezinha do interior. Não tinha água, não tinha, luz, não tinha rede telefônica, não tinha escola, não esgoto...nada. As famílias em sua maioria eram paupérrimas, algumas vindas do interior da Bahia, Sergipe, Pernambuco e Alagoas. As crianças, ao contrário dos meus amigos da minha antiga morada, eram analfabetas, barrigudas, de narizes sujos e escorridos.
Arenoso, Salvador/BA em 1979 - reconstituição (2009). Nanquin e aquerela sobre papel |
Contudo, a localidade tinha uma coisa positiva: o contato com a natureza. Ali ainda havia um dos poucas propriedades rurais daquela região, o sitio São Bento. O sítio e a grande mata próxima, faziam-me acreditar que vivia no mundo fantástico de Monteiro Lobato, o "Sítio do Pica-Pau Amarelo". Eu me sentia o próprio Pedrinho. Mangueiras, jaqueiras, coqueiros, cajueiros, mangabeiras, rio de águas cristalinas e a brisa que soprava, eram os grande atrativos do lugar. A luz chegou um ano depois da nossa mudança, enquanto que a água encanada levou mais uma ano para chegar. Mas o ar interiorano se manteve.
Posto aqui duas ilustrações que dão uma idéia do que era o lugar naquela época. A casinha verde da primeira ilustração, onde eu e a minha família morávamos. O armazém de duas portas ao lado, era do meu pai, um dos pouquíssimos estabelecimentos comerciais do local. A segunda ilustração, é um ângulo contrário da primeira ilustração: é uma visão apartir da frente da casinha verde para a rua.
O tempo passou, o Beiru cresceu, mudou o seu nome para Tancredo Neves, e o Arenoso "emancipou-se", tornou-se praticamente um bairro independente. Deixei o Arenoso há 27 anos, e infelizmente, o lugar perdeu o seu encanto. As áreas verdes deram lugar a um "inchaço" populacional, e o que era paraíso, virou uma "sucursal do inferno", tornando-se um dos bairros mais violento de Salvador. Infelizmente, o tráfico de drogas tomou conta da localidade. A paz de outrora deu lugar ao medo. Uma pena.
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